Resenha: A crítica à mulher na MPB (3)

Hey, vamos falar de falar de mulher? Mas vamos falar mal, difamá-las, como nas músicas do Wesley Safadão? Vamos? Tô brincando, os gêneros musicais utilizados são MPB e POP ROCK, porque, além de ser o coração do blog Outras Palavras, o intuito é mostrar a vocês, leitores e fãs de música, que é possível esculachar o sexo feminino sem agredi-lo com palavras chulas e com desrespeito e que se pode transformar essas palavras de baixo calão num resultado poético. Nesses dois estilos musicais, embora seja quase raro, há artistas que zombam da mulher e a criticam, porém de maneira sutil. A canção pop Você é má, de Zeca Baleiro, não poupa ofensas e inferiorizam a mulher. Vejam só:

Vá se danar!
Você dá nada a ninguém
Nem um olhar[1]


A canção de Zeca Baleiro, do álbum O Coração do Homem Bomba (2008), inicia com um suave, mas potente Vá se danar e na mesma estrofe chama a mulher de mal educada, critica-a por não ter o hábito de sorrir, mas ainda assim o eu - lírico acredita em suas qualidades. Na estrofe seguinte, ele continua a destilar veneno, embora finalize com um Eu quero ser o seu bem/ Você é má. O refrão destaca outros adjetivos negativos da "homenageada" em um único verso, enfatizando a sílaba “ma” da palavra, não sendo necessariamente a sílaba tônica. É um jogo de palavras composto com maestria e por Zeca Baleiro e Joãozinho Gomes.

Você é maluca
Você é malina
Você é malandra
Só não é massa...
E você magoa
E você massacra
E você machuca
E você ma-ta![2]


Os belenenses foram prestigiados na próxima estrofe, que se diferencia da segunda parte com os seguintes versos: Nem mesmo um simples amém/ A deus dirá/ Diz que não vai à Belém/ Você é má. Já em 1998, Caetano Veloso gravou no álbum Livro a canção samba-pop Não enche, homenagem à Si manda, de Jorge Ben Jor, e também foi uma resposta ao sucesso Como eu quero, de Kid Abelha. O personagem está de saco cheio da perseguição e da péssima mania de sua “amada” interferir em sua vida. Desta vez, os adjetivos são agressivos, desde os de baixo calão aos mais formais, como Quadrada, demente, harpia, aranha, vagaba, perua, vadia e malandra, em versos de ritmo rápido, com sonoridade mais forte nos xingamentos. Durante toda Não enche, o eu - lírico pede que a mulher se afaste, não o infernize e desista de tentar mudar a sua essência. Desvincular-se dela é mais que necessário e ele pede, em estrofes diferentes e repetidamente: Me deixa viver..., Me deixa cantar..., Me deixa gozar.... O trecho que mais representa o sentimento de raiva do narrador em relação à pessoa tão detestada:

Eu vou
Clarificar a minha voz
Gritando
Nada mais de nós!
Mando meu bando anunciar
Vou me livrar de você[3]


                Pra finalizar esse banho de crítica ao público feminino, Marcelo Jeneci, uma das novas descobertas da nossa MPB, gravou Julieta, no álbum De Graça, em 2013, uma música que destroça a autoestima de uma garota. Dentre as três canções, é a mais curta e de produção mais simples e objetiva. Na letra de Jeneci e Isabel Lenza, a Julieta seria uma moça triste, que não para de chorar, precisa de colo, de consolo, e recebe esse colo, porém de um eu - lírico franco e sincero demais, revelando várias verdades, como o fato de ela não saber ler uma carta de amor, muito menos contar quantas sílabas tem uma desilusão. Mas ele jura que se ela cair, ele irá estendê-la a mão.

Fecha os olhos e vem
Deixa eu te conduzir
Tudo vai ficar bem
Mesmo eu longe daqui
Fique firme na vida
Haverá despedida e amor
Por onde você for
O personagem, depois de tanta sinceridade ao transparecer os defeitos de Julieta, termina a canção tentando acalmá-la ao lembrá-la de sua eterna companhia e que não adianta fugir de momentos tristes, pois eles sempre a seguirão.
Por fim, é essencial esclarecer que a interpretação é livre. O bonito da arte é isto: não há prisão no quesito interpretação de um poema ou letra de música; cada um de nós tem sua forma de nadar nas águas da poesia e de bebericar as suas gotas. E a mulher é quem mais influencia o artista nas suas criações, é a responsável pelos mais intensos poemas e as mais diferentes músicas. No Brasil, para muita gente, a letra passa despercebida e o ritmo dançante é mais valorizado. Não se pode julgar ninguém, nenhum artista ou gênero, porém é preciso que se saiba o que está cantando e/ ou que está se exaltando, para que a mulher, merecedora de respeito e dignidade, não seja desmoralizada e, claro, que ela também saiba o que está cantando. Se for para criticá-la, que tenha bom senso e saiba criticar, pois na música nacional, a mulher é alvo do belo e do apelativo, é tratada como uma flor e/ ou como um lixo. Então, critique, brinque e saiba o que está fazendo. Afinal, arte é coisa séria. 




[1] LINK DA LETRA DA CANÇÃO: https://www.vagalume.com.br/zeca-baleiro/voce-e-ma.html
[2] LINK DA LETRA DA CANÇÃO: https://www.letras.mus.br/caetano-veloso/44751/
[3] LINK DA LETRA DA CANÇÃO: https://www.letras.mus.br/marcelo-jeneci/julieta/

Comentários

Anônimo disse…
Super concordo, arte é coisa séria e precisa ser desenvolvida com coerência, bom senso, discernimento, maturidade... É extremamente importante ter a visão clara e uma mente aberta para obter conhecimento das diferentes realidades do cotidiano das pessoas, do lugar onde vivemos e do mundo, pois acredito que assim se torna mais fácil para o artista utilizar a sua liberdade de criar ou recriar suas obras em qualquer área seja na poesia, nas composições de músicas, na arte de desenhar, dançar... E Essa resenha sobre a crítica à mulher na MPB é um conjunto de tudo isso e muito mais. A sua arte é genial!!! Você possui o Dom de escrever, e seus leitores agradecem! Hhahahah...! CRIS FREITAS.
Concordo com cada palavra da Cris.
A mulher é muito retratada em todas as artes desde a antiguidade.
Abordar isso numa análise da MPB foi uma excelente sacada.
Gosto mt do jeito q vc escreve, contextualizando as letras das músicas e falando um pouco sobre os artistas... Quem não tem toda a sua bagagem musical, aprende um bocado com seus textos :)

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